Decreto presidencial assinado no último dia 21 de março (Decreto n° 8.211/14) prorrogou para 31 de dezembro de 2015 a data-limite para apresentação pelos municípios de seus Planos de Saneamento Básico - requisito para o acesso a recursos da União ou a financiamentos geridos por órgão da administração pública federal para esses serviços, conforme determina a Lei 11.445/07. Até o encerramento do prazo anterior, de 31 de dezembro de 2013, estabelecido pelo Decreto n° 7.217/10, apenas 30% dos municípios haviam concluído seus Planos dentro das condições exigidas.
A notícia foi bem recebida por especialistas e entidades do setor que reivindicavam a prorrogação, como a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Abes, e que esperam, agora, que a ocasião seja aproveitada para se redefinirem as condições para que os diferentes titulares de serviços de saneamento consigam estruturar seus Planos, respeitadas as especificidades e as possibilidades de cada município ou grupos de municípios.
Para o engenheiro Alceu Guérios Bittencourt, presidente da Abes-SP e diretor da Cobrape, o essencial é valorizar o processo de planejamento e sua qualidade, mais do que se ater a aspectos formais. "É preciso que os planos estruturem efetivamente os processos de universalização do atendimento, definindo prioridades e estabelecendo as bases para as ações de ampliação e para a adequada prestação dos serviços", afirma o engenheiro.
Dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento indicam que o atendimento de rede coletora de esgoto chega a somente 48% da população brasileira e que apenas 38% do esgoto produzido é tratado. O déficit no abastecimento de água é menor, mas não menos relevante: 82% da população total e 93% da população urbana recebem água por meio de rede de abastecimento. Soma-se a isso o problema da disposição de resíduos sólidos, que ainda é feita em lixões não controlados em 2.810 municípios do País, segundo pesquisa do Ipea.
Planos diferenciados
O Plano Municipal de Saneamento Básico, nos termos da Lei n° 11.445/07, que instituiu a Política Nacional de Saneamento Básico, deve conter minimamente o planejamento de longo prazo para investimentos em obras de abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. E ainda um diagnóstico da situação, metas de curto, médio e longo prazos para a universalização do saneamento, programas e ações necessários para atingir os objetivos identificando as fontes de financiamento, e mecanismos para a avaliação da eficiência e eficácia das ações programadas.
Para o engenheiro Alceu Bittencourt, seria utópico imaginar que num universo de 5.570 municípios, com a enorme disparidade de condições regionais e de disponibilidade de informações, todos tenham capacidade de cumprir à risca e a um só tempo as exigências da Lei. Por isso, sustenta que é preciso considerar a possibilidade de se aceitarem planos com diferentes graus de completude em seu estágio inicial, de forma a não se inibirem ou mesmo paralisarem ações em andamento que convergem para o objetivo visado.
"Esta será uma construção paulatina" afirmou o engenheiro em recente depoimento na sede da Abes/SP. "Não adianta entregar um plano supostamente completo na forma, mas totalmente inadequado para o objetivo a que deve se prestar: propiciar a execução dos investimentos necessários e a adequada prestação dos serviços de saneamento no País, em ambiente desegurança institucional." E completou: "O importante agora é que haja comprometimento de todas as instâncias de governo e que o setor invista em qualificação".
O engenheiro reitera assim a posição defendida na Carta de Goiânia, documento contendo as conclusões do 27° Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, realizado em setembro passado pela Abes/Nacional, e que reuniu cerca de 5.000 participantes, entre especialistas em saneamento, técnicos, acadêmicos e estudantes. Na Carta, encaminhada ao governo federal, propõe-se o estabelecimento de "um processo progressivo de validação dos planos, que valorize o esforço de planejamento e não crie um hiato na liberação de recursos."
Outras preocupações
Além da elaboração do Plano de Saneamento Básico, a Lei no 11.445/07 determina que as Prefeituras instituam, por meio de legislação específica, o controle social do saneamento realizado por órgão colegiado, sob pena de terem vedado o acesso a recursos federais destinados a esses serviços. O novo prazo para o cumprimento dessa exigência, estabelecido pelo Decreto n° 8.211/14, encerra-se em 31 de dezembro de 2014.
Mesmo municípios que já concluíram seus Planos, no caso das regiões metropolitanas e microrregiões, não estão livres de preocupação, pois poderão ser obrigados a revê-los. Em um julgamento que já se arrastava há 12 anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em fevereiro último, que a gestão dos serviços de saneamento em regiões metropolitanas e microrregiões deve ser compartilhada entre Estados e Municípios.