Por Ester Minga
Fator sine qua non para  a garantia da qualidade das águas superficiais, um amplo sistema de  coleta e tratamento de esgoto em pleno funcionamento por todo o país  está longe da realidade brasileira, pois, de acordo com o Relatório de  Conjuntura dos Recursos Hídricos 2013, da Agência Nacional de Águas –  ANA, apenas 30% do esgoto doméstico urbano produzido no Brasil é  tratado.
 Enquanto  o país de certa forma resolveu a questão do abastecimento de água, um  serviço com relativa qualidade pelo Brasil, o mesmo não ocorreu em  relação à coleta e tratamento de esgoto. A razão para os baixos 30% são  os já conhecidos problemas de escassez de recursos somados ao acelerado  crescimento dos centros urbanos, o que traz como consequência justamente  o comprometimento da qualidade das águas para os seus diversos usos, a  exemplo do abastecimento público e industrial, com implicações perigosas  à saúde da população e ao equilíbrio do meio ambiente.
 É  por essa interface explícita entre a qualidade das águas e o tratamento  e coleta de esgoto, que a ANA também se debruça sobre o segundo em sua  gestão dos recursos hídricos brasileiros, cuja ação mais recente nesse  sentido é o Atlas Brasil de Despoluição de Bacias Hidrográficas:  Tratamento de Esgotos Urbanos. Para sua elaboração, a Cobrape prestará  serviços de consultoria à Agência ao longo de dezoito meses.
 O  atual Atlas tem como objetivo fornecer um panorama sobre os sistemas de  coleta e tratamento de esgoto urbano, e seu conseqüente impacto nos  corpos d´água receptores, das 5.565 sedes municipais do país, em uma  ampla análise, cuja extensão partirá do cenário atual e alcançará o ano  de 2035. O plano também será responsável por propor soluções para os  déficits identificados, observando os custos das intervenções e  indicando os arranjos institucionais mais adequados para sua  viabilização.
 Os  trabalhos, que se iniciaram no final de fevereiro, são divididos em  duas etapas. A primeira consiste na elaboração de um diagnóstico e  prognóstico das condições de atendimento por coleta e tratamento de  esgoto, utilizando-se como base dados secundários. A segunda compreende o  detalhamento das informações coletadas, por meio de visitas de campo e  reuniões técnicas nos municípios com população urbana superior a 50 mil  habitantes e naqueles que possuam operadores de sistema de esgotamento  sanitário estruturados (companhias estaduais, empresas privadas, SAAEs  ou equivalente). Esse grupo, referente à segunda etapa,abrange 2.173  municípios e representa 85% da população urbana brasileira.
 As  análises utilizarão recursos de modelagem de qualidade de água já  desenvolvidos em projetos anteriores, os quais a Cobrape esteve  envolvida, a exemplo do Terceiro Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia  do Alto Tietê –PDMAT-3, e os Atlas anteriores (Atlas do Abastecimento Urbano de Água e Atlas Regiões Metropolitanas),  e adotarão uma abordagem sistêmica, por bacia hidrográfica.  Posteriormente, as informações serão organizadas e carregadas em um  banco de dados georreferenciado, produzido pela consultora e  implementado no ambiente de produção da ANA.
 O  objetivo da Agência com o Atlas de Despoluição é, por meio da  identificação de alternativas técnicas que ele deverá propor, reduzir a  carga proveniente dos esgotos urbanos, compatibilizando a qualidade da  água dos corpos receptores com o abastecimento urbano e a reservação  para usos múltiplos, e também com as classes de enquadramento definidas.  Como requisito mínimo para viabilidade dessas alternativas, está o  atendimento aos padrões definidos pelo Conselho Nacional de Meio  Ambiente – Conama para o lançamento de efluentes de sistemas de  tratamento de esgotos.
 A  equipe da Cobrape, formada por engenheiros especialistas em saneamento  básico, avaliação de qualidade da água e outros, além de demais  profissionais, irá avaliar o planejamento preexistente em estudos,  planos diretores de esgoto e projetos; realizar estudos de preconcepção;  estimar os custos de implementação das alternativas técnicas e suas  possíveis fontes de recursos; identificar os obstáculos institucionais  para sua implantação e gestão operacional e propor estratégias para a  atualização e o monitoramento do diagnóstico e das alternativas.
 Essas  ações serão sistematizadas em um Relatório de Identificação de Obras –  RIO que contemplará as soluções identificadas; em relatórios individuais  com recorte por estado e bacia hidrográfica, com a descrição dos  trabalhos realizados; e em um resumo executivo impresso que abrangerá  todos os resultados. As atividades executadas para o Atlas também  servirão para complementar as informações das Estações de Tratamento de  Esgotos das sedes urbanas dos municípios no Cadastro Nacional de  Usuários de Recursos Hídricos – CNARH.
 Integração no gerenciamento dos recursos hídricos
 Uma  visão sistêmica no emprego de ações com impacto nos corpos d´água  atualmente é compartilhada por especialistas em saneamento básico e  segurança hídrica e por associações, conforme se evidenciou no discurso  de posse de Alceu Bittencourt, diretor da Cobrape, como presidente da  seção paulista da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e  Ambiental – Abes, em agosto do ano passado. Durante a cerimônia, o  engenheiro reiterou a necessidade de se discutir a operação integrada de  sistemas de esgotamento sanitário e drenagem urbana.
 Esta  não é a primeira vez que a ANA se debruça sobre a questão da coleta e  tratamento de esgoto. Desde 2001, a Agência desenvolve o Programa  Despoluição de Bacias Hidrográficas – Prodes que, mediante um sistema de  incentivos financeiros, investe na construção de Estações de Tratamento  de Esgoto – ETEs e na ampliação e melhoria operacional das já  existentes. Para obtenção de recursos do programa, os municípios devem  possuir Planos de Saneamento Básico, cujo prazo para apresentação foi  estendido para o final de 2015, o que demonstra o esforço de todas as  esferas federativas na integração da gestão dos recursos hídricos.
 O  presente Atlas está incluído na Componente I do Programa de  Desenvolvimento do Setor Água – Interáguas, referente à Gestão de  Recursos Hídricos, que tem como objetivo justamente a consolidação do  Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. O termo de  referência do projeto também foi submetido à apreciação da Secretaria  Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA do Ministério das Cidades, cuja  meta é promover o avanço rumo à universalização do abastecimento de água  potável e esgotamento sanitário, entre outros.
 O  Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, cuja elaboração também  contou com os serviços de consultoria da Cobrape entre os anos de 2009 e  2011, já havia concluído que eram necessários 47,8 bilhões de reais em  investimentos em coleta e tratamento de esgotos para proteger os  mananciais utilizados como fonte de captação para o abastecimento  urbano. Agora, com o Atlas de Despoluição, uma vez  concluído o planejamento da oferta de água, a ANA busca avançar no  conhecimento sobre as deficiências de esgotamento sanitário dos  municípios, promovendo um diagnóstico mais detalhado.