Há mais pontos em comum entre Caraguatatuba e São Sebastião do que as belas praias cravejadas em suas orlas e costas marítimas.
Cidades limítrofes, ambas possuem cerca de 80% de seus territórios em áreas de preservação ambiental, delimitadas pelos domínios do Parque Estadual da Serra do Mar.
As duas são economicamente estratégicas para o Litoral Norte de São Paulo - São Sebastião com seu aparato portuário e energético e Caraguatatuba com sua vocação para o turismo, comércio e serviços.
Grandes obras de infraestrutura se insinuam no futuro das vizinhas, como a duplicação da rodovia Tamoios, as instalações de apoio à extração do gás natural do Campo de Mexilhão e a expansão portuária.
E, finalmente, o verão surge como a face mais visível da identidade entre as duas cidades litorâneas. Na alta estação, Caraguatatuba e São Sebastião recebem seus turistas e veem sua população quintuplicar.
Diante desse futuro promissor, cabe a pergunta: haverá água em quantidade e qualidade suficientes para apoiar o desenvolvimento econômico e turístico de Caraguatatuba e São Sebastião de forma sustentável?
O engenheiro Ariovaldo Delquiaro acredita que sim, desde que sejam efetivadas intervenções nos sistemas de produção e distribuição de água que atendem os dois municípios. Delquiaro coordenou a elaboração do Estudo de Concepção do Sistema de Abastecimento de Água de Caraguatatuba e São Sebastião, entregue pela Cobrape para a Sabesp neste mês de maio.
O Estudo resultou em 11 relatórios com alternativas para a ampliação da captação, do tratamento e da distribuição de água na região para os próximos 20 anos. As soluções indicadas foram analisadas e comparadas em três dimensões - técnica, econômica e ambiental e o fio condutor do trabalho foi a otimização e racionalização das infraestruturas já instaladas.
Delquiaro avalia que o destaque do estudo ficou por conta da solução para a distribuição de água. "A situação geográfica das cidades exigia uma saída não convencional", adianta o engenheiro.
Para simular os cenários do horizonte de 20 anos, foram feitas várias combinações de projeções demográficas. A hipótese adotada prevê que, em 2030, cerca de 390 mil pessoas vão consumir algo em torno de 1.300 litros de água por segundo na região. Atualmente, o consumo não chega a 960 litros por segundo.
Ampliar e melhorar o tratamento da água
O diagnóstico atual é de insuficiência em todo o ciclo do abastecimento de água de Caraguatatuba e São Sebastião. De acordo com a engenheira sanitarista e ambiental Jane Cristina, o problema começa na captação da água bruta, que apresenta níveis cada vez mais baixos de qualidade, com presença de cor e turbidez. "Fatores como a poluição dos mananciais, destruição de matas ciliares e a não observância das políticas de proteção ambiental deterioram a qualidade da água e fazem com que os sistemas de tratamento tenham que ser aperfeiçoados e ampliados", diz a engenheira, que integrou a equipe responsável pelo estudo.
Na região desenhada pela Serra do Mar, os elevados índices pluviométricos também contribuem para o processo de saturação dos sistemas de tratamento de água. O excesso de barro, areia e galhos que são captados junto com a água danificam os sistemas de tratamento que devem, então, permanecer desligados. O fato desagrada a população. No final de março, uma forte chuva causou a interrupção do fornecimento de água para cerca de 50 mil moradores de Caraguatatuba justamente por este motivo.
Depois de analisar os sistemas de tratamento que atendem as duas cidades, a equipe da Cobrape indicou a necessidade de se duplicar a capacidade do principal sistema de tratamento da região, que é o Porto Novo (ETA Rio Claro). De cerca de 600 l/s, o objetivo é que a Estação passe a tratar uma média de 1.200 l/s.
A técnica de tratamento utilizada no sistema, a floto-filtração, permanece. Porém na ampliação da Estação o ideal é a adoção do método de flotação clássico, com câmaras de flotação e filtração separadas. O método, de acordo com o relatório, é o mais indicado para águas com características de cor e turbidez elevadas.
Medidas para a segurança operacional do sistema de tratamento existente também foram delineadas. Uma delas é a implantação de uma estrutura diferenciada para receber a água bruta, com peneira de limpeza mecanizada, tanque de pré-sedimentação e câmara de mistura rápida com equipamento mecânico para a aplicação do coagulante.
Reduzir perdas - A perda de água no processo de tratamento foi sublinhada no relatório da Cobrape. No sistema Porto Novo, o índice de perda pode atingir até 20% do volume de água produzido. "Evidentemente, a perda global observada também considera a lavagem dos filtros e eventuais imprecisões nas medidas de vazão da água bruta afluente à ETA e da água tratada produzida. Entretanto, 20% pode ser considerado um valor muito elevado, pois estações de tratamento em geral apresentam perdas na faixa de 3 a 8%, dependendo da concepção e do regime de lavagem dos filtros e descarga de lodo", indica o relatório.
Como solução, o estudo prevê a troca do sistema de remoção do material flotado. "A ideia é eliminar o sistema mecânico, substituindo-o pela raspagem, que não usa água para arrastar o material flotado, daí a economia", explica Jane. Uma medida simples, com resultados impactantes.
Alternativas para captação
Um conjunto de estudos apoiou a equipe da Cobrape na definição das alternativas mais viáveis para ampliar a captação de água bruta na região do projeto. Estudos hidrológicos avaliaram a capacidade dos mananciais e estudos de viabilidade financeira levantaram os custos de novas instalações e os investimentos necessários para o aproveitamento integral das instalações existentes.
Com as informações em mãos, a Cobrape definiu três prioridades para a captação de água bruta, todas levando em consideração a questão da outorga de utilização dos recursos hídricos, autorizada pelo DAEE. "O horizonte do projeto, de 20 anos, requer novos parâmetros para a captação", enfatiza Ariovaldo Delquiaro.
A primeira alternativa estabelece o aproveitamento máximo do rio Claro, que é o atual manancial da região, com captações no alto e no baixo rio Claro. A segunda prioridade coloca em cena o rio Piraçununga e, como terceira opção, o rio Camburu vem se somar aos dois outros mananciais.
Também foram indicadas as obras que acompanham a ampliação da captação, como grupos de recalque e duplicação de adutoras.
O túnel
Captar, tratar e depois distribuir. Em Caraguatatuba e São Sebastião, essa tríade é peculiar.
Antes de chegar às torneiras, a água percorre um caminho de ida e volta: nasce em São Sebastião, é captada e tratada em Caraguatatuba e depois é distribuída para as duas cidades. No meio do caminho, existe um acidente geográfico que dificulta, e bastante, esse percurso - as cidades são separadas por um morro.
O desafio do estudo encomendado pela Sabesp era a identificação de alternativas economicamente, tecnicamente e ambientalmente viáveis para a adução da água até São Sebastião. As alternativas também deveriam levar em consideração a característica das regiões de veraneio - a escalada da população flutuante em alguns períodos do ano.
"Precisávamos superar dois obstáculos: o morro e os picos de consumo de água, especialmente final de ano e Carnaval", resume Delquiaro.
Um modelo matemático de simulação hidráulica foi utilizado para analisar os comportamentos de adução e distribuição de água nas diversas situações vivenciadas pela região. Com os cenários obtidos, foi formulado um leque de alternativas. A melhor delas não é nada convencional.
Os resultados indicaram a construção de um túnel para a transferência da água tratada de Caraguatatuba para São Sebastião. As outras alternativas - travessia subaquática, linha aérea paralela à rodovia ou a utilização de um futuro túnel da Petrobras - apresentaram inconveniências como custo elevado, alto impacto ambiental e impossibilidade de planejamento.
No litoral paulista, existe uma solução parecida: o túnel-reservatório Voturuá - entre Santos e São Vicente.
Inaugurado em 1981 com o objetivo principal de reservar água, hoje, quase 30 anos depois, o túnel é uma peça importante do sistema de distribuição. O atual prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa, conhece bem a obra, pois foi superintendente da Sabesp na Baixada Santista. "É o maior túnel-reservatório da América Latina. Já chegamos a fazer eventos no Voturuá e muitos santistas, até hoje, não sabem que ele existe e qual é o seu papel no sistema de abastecimento de água", relata.
O túnel Voturuá também foi personagem de um filme do diretor francês Romain Lesage. O Túnel - Reservatório de Santos e São Vicente, de 1985, conta a história da obra e infelizmente não está disponível em DVD. "O documentário em 35mm está na Cinemateca Brasileira, a ser recuperado", informa Christian Lesage, que trabalhou no filme junto com seu pai.
Com o estudo realizado pela Cobrape, Caraguatatuba e São Sebastião poderão dar um salto de qualidade no abastecimento de água e, quem sabe, transformar o seu túnel em protagonista de filme. Belos cenários não vão faltar.
Assessoria de Comunicação